01 outubro 2015

Ontem foi um dia muito especial para mim, ao apresentar meu pré-projeto sobre o bilinguismo na UFMG.
  Afinal, através da minha atividade profissional, sempre tive acesso a informações sobre os benefícios de falar duas línguas e também sempre tive perfeita consciência dos mitos e falsas informações que muitas pessoas vivem e espalham, desde a ideia de que vai confundir as crianças, até que vão misturar ou nunca vão falar bem nem uma língua nem a outra. Na realidade, todas as estatísticas mostram que as crianças bilingues se expressam melhor que as crianças monolingues e têm melhores desempenhos escolares em todas as áreas. 
BILINGUISMOS: SUBJETIVAÇÃO E IDENTIFICAÇÕES NAS LÍNGUAS MATERNAS E ESTRANGEIRAS

Os pesquisadores do bilinguismo têm desenvolvido uma reflexão acerca das posições do sujeito construídas pelas/nas diversas formações discursivas às quais o sujeito se identifica e se  ressignifica, de forma que processos identitários estejam relacionados à educação bilíngue. O objetivo desta resenha é ressaltar a abordagem psicossocial da comunicação bilíngue.


“O contrato-confronto-conflito com outras línguas ou, até mesmo, com o estrangeiro/estranho que habita nossa própria língua, mobiliza momentos de identificação e de desidentificação e, por conseguinte, propicia diferentes modos de subjetivação resultantes de impasses subjetivos ou da experiência singular que cada um tem com a linguagem que nos é anterior” (p.21- 22). Ser bilíngue tornou-se uma necessidade normal e extraordinária no mundo em que vivemos. As línguas e mesmo as escolhas linguísticas não podem ser consideradas meios de comunicação neutros. A comunicação bilíngue acontece, tendo em vista o contexto sócio-histórico dos participantes. Esse aspecto psicossocial é relevante na transformação do sujeito no contato com outras discursividades.


Se a língua materna e mesmo a estrangeira são construídas de forma representativa pelo sujeito, o nível de conhecimento de uma língua ou seu grau de instrução tornam-se independentes no processo de aquisição de LE. Na aquisição de uma segunda língua, o sujeito começa a relacionar-se com a língua materna de outra maneira. É certo que os bilíngues alternam a língua, quando não encontram a palavra certa no momento de uma enunciação. A alternância linguística faz parte da abordagem psicossocial.


Uyeno e Cavallari relacionam a língua à questão do desejo. Desse modo, o estudo das representações e do desejo das/pelas línguas em contextos bilíngues, leva em consideração as relações de poder entre as línguas em sua exterioridade histórico-social. Pêcheux chamou de homogeneidade lógica essa necessidade do sujeito pragmático (2002, p. 33), cuja posição impõe um controle sobre duas línguas que se tornam “suas”, que deverão ser “utilizadas” por ele com “destreza” e “perfeição”. A língua estrangeira é vista, portanto, como uma lugar de desejo. “Língua estrangeira como um lugar de desejo e, ao mesmo tempo de risco de exílio, em relação à língua dita materna” (REVUZ, 1998,p. 254)).


 Ao reduzir as línguas a essa função pragmática da comunicação, o funcionamento discursivo acaba por excluir o sujeito dessas línguas, uma vez que, na posição de sujeito pragmático, não há lugar para sua inscrição na língua e, assim, “o idioma é tratado como um produto que funciona fora do sujeito, não fazendo parte de sua constituição identitária” (SIQUEIRA, 2009, p. 50). A relação sujeito-língua é marcada pela responsabilidade do sujeito no seu ato enunciativo, que, por sua vez, se configura pelo contexto social/afetivo imediato da produção linguística. O sujeito, então, é convocado a assumir uma posição de controle total sobre suas intenções e emoções no processo de uso da língua, reduzido à “interação comunicacional”.


Na interação comunicacional, observa-se o quanto a aprovação do interlocutor pode ser importante na enunciação, dado o grau de previsibilidade do outro, da atração por semelhança, a fim de que o entendimento se estabeleça mutuamente. Assim, o desejo de cada indivíduo, ao enfatizar sua própria diferença em relação ao seu interlocutor, sinaliza uma identidade mais do grupo a que pertence esse indivíduo do que da sua própria identidade pessoal. Por isso, o fator estrangeirismo muda, porque diz das relações simbólicas e imaginárias que o sujeito construiu ao longo da sua história.


            No processo ensino-aprendizagem de línguas, o contexto sociolinguístico considera vários processos psicossociais como mediadores, que vão desde a troca social, o envolvimento dos interlocutores e a identificação social (contexto) até a formação de estereótipos, já que a comunicação bilíngue envolve grupos etnológicos diversos, com diferentes status, de ambientes com maior ou menor prestígio social. A troca de culturas, o processo de aculturação também dizem da integração social.


No curso da comunicação, considerei as crenças individuais no que diz respeito ao contexto dos grupos e os ambientes sociolinguísticos em que os sujeitos bilíngues estão inseridos. A abordagem psicossocial permite entender um pouco sobre o comportamento bilíngue. Dessa forma, contexto não é somente o ambiente externo. O contexto é um elemento da cognição. Eu diria que a crença dos docentes na aprendizagem refere-se àquilo em que acreditam e sabem ao ensinar línguas, o que determina suas ações bem como a dos alunos numa relação de causa e efeito.


            Esse estudo contribui enquanto análise crítica das crenças que envolvem professores e alunos na comunicação bilíngue. Se o que difere o adulto cuidador e agente de linguagem do professor de línguas, pensando no processo de aquisição da linguagem, é o fato de o professor acreditar ser capaz de transformar a língua estrangeira em um objeto instrumentalizável, otimizando o ensino, o educador pode, portanto, transformar o ensino. Se ele consegue contribuir no desenvolvimento dos aprendizes, certamente, estará contribuindo com o seu próprio desenvolvimento.

                                                             Professora  Marília Mendes

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PÊCHEUX, M. Papel da memória. In: ACHARD, Pierre. [et. al.]. Papel da memória. Trad. Introdução: José Horta Nunes. Campinas, SP: Pontes, 1999.
SIQUEIRA, A. P. B. L. Representações de proficiência e a construção do inglês como língua necessária na pós-graduação. 113 p. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2009.
UYENO, Elzira Yoko; CAVALLARI, Juliana Santana (orgs.). BILINGUISMOS: SUBJETIVAÇÃO E IDENTIFICAÇÕES NAS/PELAS LÍNGUAS MATERNAS E ESTRANGEIRAS. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011.