25 julho 2013

Eu quis escrever até o fim da linha
e a linha não tinha fim.
(Lila Morena)
 
Hoje é o dia do escritor. Um blogueiro, que escreve seus próprios posts, também é escritor. Um tipo de escrita popular e pública com que são comunicadas as ideias. Aquele que escreve tem o dom de fazer do que foi dito uma nova possibilidade de dizer. Quando todas as imagens se esgotam, a palavra é que salva o artista. No mundo de imagens em que vamos nos criando, curtindo fotos de desconhecidos, compartilhando posts de pessoas distantes, pichando símbolos e sinais nos muros do mundo afora, só mesmo a escrita pode dar legitimidade ao sentimento. Escrever tem virado coisa rara. Escreve-se muito pouco e lê-se quase nada. O brasileiro gosta muito de ser pop, de estar na moda, seguindo as tendências, mas vive driblando sua enorme dificuldade de expressão.

Os escritores fazem do mal ou do bem. Depende da poção mágica que os instrumentaliza. Escrever pode ser alguma coisa ligada, sim, à magia. Eu tenho lá meus encantos com os escrevem sobre amor, viagem, sobre ambrosia e barcos, vinhos e excessos. A viagem da escrita tem estada eterna, com pontes aéreas inesquecíveis. Todo texto novo que chega às nossas mãos tem um valor próprio definido.
Entre todos os tipos de escritores que conheço e que não são poucos, resta sempre um, esquecido em algum lugar, em algum site popular ou em alguma página de caderno, de cartas que jamais foram enviadas, de poemas que foram rascunhados  ou de artigos que ficaram prontos, no prelo, que nos vem à lembrança. A escrita é como o êxtase: depois de muito esforço, em que as palavras negociam umas com as outras, o texto fica pronto. Parece-nos que ele, o tecido (de tecer o texto) revelado, relaxa ou dorme entre suas linhas ocultas. Quem trabalha pesado é aquele que escreve.

Ás vezes, o texto fica por terminar. Não é lei que se termine. A escrita tem essa vantagem. Você pode deixar uma parte para o depois. Postergar é, sensivelmente, uma distância para o acontecimento, é a antessala da graça, da recompensa indizível. Um capítulo para o momento seguinte é até estratégico. Eu diria que os escritores não apenas (re)escrevem. Eles são, em geral, bons e fiéis leitores.

Cora Coralina escrevia, enquanto fazia doces. Naturalmente, entre um intervalo e outro, surgia o encanto de sua escrita. Os doces, penso eu, eram só um tipo de pretexto. Monteiro Lobato escrevia porque delirava-se nas fazendas herdadas do avô. A fazenda era a geografia que dava força ao narrador do escritor. O recanto de família o libertava para a escrita. Drummond escrevia porque se dizia faltoso com a sua velha Itabira. No Rio, ele usava essa falta para compensar sua mineiridade, mas escrevia secretamente seus poemas eróticos, dedicados à amante.  Vinícius de Moraes escreveu muito. Nos intervalos, tomava um uísque e ficava tudo bem. Adélia Prado, minha ilustre senhora de Divinópolis, escreve ainda hoje sob o pretexto de que a mulher ama. O amor é uma provocação e a escrita transcende. A escrita de Adélia tem sido minha guia. É divina!


A minha relação com a escrita tem esse Talvez: todo escritor deve ter o seu pretexto ou não, seja ele de amor ou de descontentamento. Escreve-se para se salvar. Clarice Lispector amaldiçoou-nos com essa proposição. Eu me salvo de mim mesma escrevendo.
Entre meus pretextos ficam sempre algumas lacunas. No entanto, venho escrevendo aquilo que já foi dito e sempre tento dizer de outra maneira. Nem sempre dá certo. Escrever é apostar na palavra. A palavra transforma. Mudo de pele todos os dias. Escrever é mudar de pele ou se emprestar para o outro através de alguns verbos. É dar continuidade ao que não foi teclado, reticente, sem direção. Palavras ao vento também dizem. O amor fica suspenso em seu modo de registrar. O que foi  escrito e não foi lido, não aconteceu. Não argumenta, nem mexe com os sentidos de ninguém.

Este é o preço que aqueles que escrevem à marginal dos sonhos dos outros pagam: enquanto tentam se salvar dessa maldição, acabam por enfeitiçar alguns e a desapontar outros.
Paciência! O fato é que, no mais tardar, cada um acaba percebendo a sua maldição, escrevendo... Escrever é seduzir com palavras, é dar o troco da cama, ao som da palavra cantada, quando o papel é divã de alguma melancolia ou cartório de notas frias da mais pura alegria.
É só um questão de tempo!
Para o dia de hoje, na pele de todos os escritores que tentam se salvar, eu faço uma prece:
Senhor, livrai-nos de todo Mal.


                                                 Professora Marília Mendes