14 novembro 2011

A Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) promove desde 2005, o Fórum das Letras, permitindo um  diálogo entre autores consagrados da nossa literatura e convidados de outros países  com um público ávido por  temas ligados à arte literária, dada a importância de Ouro Preto, enquanto Patrimônio Cultural da Humanidade. A identidade da nossa cultura, a riqueza literária nos países de língua portuguesa e a integração dos povos representantes dos países da Língua reforçam o dinamismo de diferentes linguagens que percorrem o mundo  no que versam nossas obras literárias.

A agenda sortida e enriquecida a cada ano, traz nomes e novidades, além de lançamentos de novos títulos, que valorizam a educação e os traços culturais de um povo que está aprendendo a valorizar a leitura. Assim é que vejo o interesse entre leitores de diferentes idades que encontram nos livros, uma séria e espontânea defesa diante das armadilhas sociais do nosso século.

O Fórum conta ainda com a Via-Sacra poética, levando poesia para todos os cantos da velha e sempre nova Ouro Preto. Um projeto de cunho folclórico, composto de encontros com jovens escritores.

O tema desse ano "Memória do Esquecimento" está desde o dia 11 e segue até o dia 15 de novembro com abordagens relacionadas a tópicos que propõem divulgar a nossa literatura, antes entendê-la e questioná-la com conhecimento e contextualização dos autores e suas obras. Autores como Afonso Romano de Sant' Anna, Frei Betto, Carlos Herculano Lopes, Marcelo Tas, Márcia Bulcão, Marina Colasanti, Nicolas Behr, Rubem Alves, Rui Morão, entre tantos que, como a poetisa Adélia Prado, deixam sua contribuição para esse encontro.
Ouro Preto- 13/11/11

No domingo, em participação oportunizada pela FIEMG, contei com a programação da Literatura em Cena, com o tema  As Minas Gerais: 300 anos de aventura, cobiça e fé, reunindo Frei Betto, Ivan Marques e Lucas Figueiredo. A mediação de Angelo Oswaldo no Cine Vila Rica .

O grande debate trouxe  Propostas para a internacionalização da Literatura Brasileira com os escritores Affonso Romano de Sant’anna, Berthold Zilly, Jonah Straus e Nicole Witt. O discurso atenuou a falta de tradutores capacitados para levarem nossos textos ao conhecimento do mundo. De acordo com Jonah Straus,  uma das  maiores dificuldades da apresentação de livros brasileiros lá fora é encontrar bons tradutores. Restaram dúvidas. A literatura brasileira reúne aspectos que vão muito além das traduções. Conhecimento parte do princípio de que o amor que se tem aos livros e o acesso que a eles nos é disponibilizado também interferem na divulgação de grandes nomes e de grandes títulos. A questão é : proporcionar aos leitores de diferentes classes sociais e mesmo com formação em escalas diferentes, acesso aos livros de forma contínua. Ainda pagamos caro pelos títulos. No entanto, o livro digital tem facilitado a vida de muitos estudantes na internet.


Hoje, acontece o debate: A biblioteca é um mundo, o mundo é uma biblioteca com Carlos Liscano (presidente da Biblioteca Nacional do Uruguai), Fabiano Piúba (diretor do Livro, Leitura e Literatura do Ministério da Cultura), Luiz Amorim (idealizador da Biblioteca dos Pontos de Ônibus de Brasília).

Amanhã, ainda teremos o Projeto Miguilins com a Interpretação de trechos da obra de Guimarães Rosa e o show Noel, um reconto de histórias pela escritora Márcia Bulcão.

Durante todo o fórum, Ouro Preto é decorada com exposições diversas e de extremo bom gosto, como é o caso da Exposição Permanente das Bordadeiras de Cordisburgo, apresentando o artesanato local das Minas Gerais, a presença diária da aliança Francesa e do departamento de música da UFOP.

As perspectivas de narrativas , ficção  e filosofia também endereçam o encontro. Foram lembrados ainda O Brasil no Olhar de Elizabeth Bishop, a sessão de contos e a vida e obra do escritor Rui Morão.

Para mim, contudo, o grande momento, entre tantos que estão contribuindo para um encontro como esse até agora, foi o grande lançamento de um dos meus preferidos, Rubem Alves, Palavras para desatar nós . Fiz algumas anotações relacionadas ao escritor :

Ao ser perguntado se já mentiu, Rubem Alves responde que às vezes a verdade é autodestrutiva. "O amor é mais importante que a verdade"."Literatura para mim não é só forma, é o modo que tenho de ajudar as pessoas com as palavras. É por isso que eu escrevo", diz Rubem Alves.
"Dizer uma palavra é afirmar a sua virtude e exorcizar o seu terror", diz Rubem Alves, citando o poeta Fernando Pessoa.
"Sapiência é uma pitada de saber, nada de poder e o máximo possível de sabor", finaliza  Rubem Alves.

Em outros momentos, outras citações memoráveis :

Marina Colasanti: “Sem memória não há trânsito verdadeiro em uma obra . Ninguém fala de amor sem ter amado.”/ Toda ficção é memória. Um escritor inventa, mas os tijolos com que constrói sua obra são feitos de memória.”

Frei Betto: a história de Minas é muito importante, porque a história do Brasil, principalmente nos séculos XVII e XVIII, foi centrada aqui.

João Gabriel de Lima: independente do tamanho do texto, ele precisa ser bom. Valoriza-se também a autoria, o texto diferenciado.

"Escrever p/ libertar-se da memória... Narrar é uma forma de barganhar com a morte (Sherazade)" ( Ronaldo Correia de Britto) .

"Não consigo esquecer coisas que me foram ditas, olhares que me foram dados. Tenho ótima memória e isto move minha escrita” ( Miguel  Neto ).

 Segue  amanhã, a Leitura de “Cartas perto do coração” – Clarice Lispector e Fernando Sabino por Alicia Duarte e Fabrício Marques. São nesses caminhos do ouro, que reúnem do velho e do contemporâneo, da música, do bordado e da escrita, que trilham os amantes das letras. Assim seguem os plantonistas logo ao centro, circunvoando na alma, na antítese do reino fino, virado e revirado do poeta Drummond, sobre o tempo. Não de morte, mas da vida que renasce incansavelmente, na minha cidade preferida: Ouro Preto.
                                                                  Professora Marília Mendes

Foto de Daniela Fonseca


DA TRAGÉDIA E DA BELEZA

Toda pérola esconde uma dor no fundo da sua beleza. Ostra feliz não faz pérola. Ostra que faz uma pérola é ostra que sofre. Porque a pérola, lisa esfera sem arestas, a ostra a produz para deixar de sofrer, para se livrar da dor das arestas de um grão de areia que se aninhou dentro dela. Isso é verdade para as ostras. 
E é verdade para os seres humanos. No seu ensaio O nascimento da tragédia grega a partir do espírito da música, Nietzsche observou que os gregos, por oposição aos cristãos, levavam a tragédia a sério. Tragédia era tragédia. Não existia para eles, como existia para os cristãos, um céu onde a tragédia seria transformada em comédia. E ele se perguntou das razões por que os gregos, sendo dominados por esse sentimento trágico da vida, não sucumbiram ao pessimismo. A resposta que ele encontrou foi a mesma da ostra que faz uma pérola: eles não se entregaram ao pessimismo porque foram capazes de transformar a tragédia em beleza. A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável. A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta. Ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os artistas: Beethoven – como é possível que um homem completamente surdo, no fim de sua vida, tenha produzido uma obra que canta a alegria? –, Van Gogh, Cecília Meireles, Fernando Pessoa...



(crônica extraída do livro Palavras para desatar nós, de Rubem Alves). Um lançamento da Papirus Editora!
O lançamento do livro do autor Rubem Alves teve grande sucesso no Fórum das Letras. Enquanto respondia as perguntas a ele direcionadas, ele justificou sua escrita como sendo uma forma de ajudar às pessoas. Com clara percepção e sensibilidade para as letras, fica aí um fechamento que relaciona ostras e felicidades e que no sentido figurado dos termos, ensina que o sofrer é uma forma de produzir beleza. Achei isso um encanto. Um novo encanto do grande escritor que identifica a necessidade de todo ser humano na busca pela felicidade.Desejo a todos um abençoado feriado.
"As pessoas que me procuraram nos anos em que exerci a psicanálise eram todas diferentes e tinham queixas diferentes. Mas debaixo das múltiplas pequenas queixas havia uma única grande queixa: queriam ter alegria. Essa é a busca comum de tudo o que vive. Acho que até as plantas querem ser felizes. (...)"

                                                        Professora Marília Mendes