28 julho 2011

"Esta vida é uma estranha hospedaria,
De onde se parte quase sempre às tontas,
Pois nunca as nossas malas estão prontas,
E a nossa conta nunca está em dia."
 

Presença
(Mário Quintana)

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
a folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!
 

(No olhar de TREVISAN e SILVESTRIN)

Mario Quintana estaria completando 105 anos, este ano. A cidade vai prestar homenagens e mostrar o seu carinho ao menino que a adotou como casa e morada.

Dentro das programações da Casa de Cultura Mario Quintana, na derradeira semana do mês, acontecerá uma mesa com a participação dos poetas Armindo Trevisan e Ricardo Silvestrin, com a mediação de Mario Pirata, que falarão sobre o aniversariante.

QUANDO E ONDE?

Dia 28 de julho, quinta-feira, 19h, na sala C2, da Casa de Cultura Mario Quintana, na Rua dos Andradas, nº 736, em Porto Alegre. Entrada franca.

QUEM CONVIDA?

• Espaço Poesia – Oficina De Poesia E Linguagem

• Associação Amigos Da CCMQ

• Casa De Cultura Mario Quintana
Programação completa


Deguste um pouco mais de Mário Quintana :

Poeminho do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

(Prosa e Verso, 1978)


Quintana por ele mesmo...


Mário Quintana
"Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade.
Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro - o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu...
Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! Sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?
Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Érico Veríssimo - que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras".

Texto escrito pelo poeta para a revista Isto É, de 14-11-1984.







" Bilhete ”

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres, enfim,
Tem de ser bem devagarinho, Amada,
Que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...


(Mario Quintana)



“Noturno Arrabalheiro”

Os grilos...os grilos...Meu deus, se a gente
Pudesse
Puxar
Por uma
Perna
Um só
Grilo,
Se desfiariam todas as estrelas!


(Mario Quintana)

Dizem que qualquer coisa atualmente, se desejarmos bem compreendê-la, deve
Ser submetida a variadas leituras. Acho isso uma grande bobagem, pois começa
Atomizando nosso olhar numa miríade de especializações. Quando leio
Quintana, leio uma vez e sua mensagem é tão clara que não preciso pensar
Muito para compreendê-la. Ela chega direto ao meu coração.
Que Mario Quintana é um poeta excepcional  não resta dúvida. Mas o mais
Interessante é a maneira como ele tece as palavras, fazendo uso de fios de
Pura emoção, presos a uma agulha mágica.



“Indivisíveis”

O meu primeiro amor sentávamos numa pedra
Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas
Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos.
Crianças...
Parecia que entre um e outro nem havi ainda separação de soxos
A não ser o azul imenso dos olhos dela,
Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
Nem no cachorro e no gato da casa,
Que tinha apenas a mesma fidelidade sem compromisso
E a mesma aninal - ou celestial - inocência,
Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
Não, não importava as coisas bobas que disséssemos.
Éramos um desejo de estar perto, tão perto
Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
Mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,
Enquanto a gente passava, caçoava, ria-se, não sabia
Que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida...

(Mario Quintana)



 “Amar é mudar a alma de casa”. (Mario Quintana)